Crônicas do Transporte Público
Brigadeiro Luis Antonio, 18:35pm de uma sexta-feira sentido centro/bairro, nem lotado e nem vazio com umas poucas pessoas de pé.
Um passageiro ouvia seu "MP alguma coisa" enquanto outro parecia acompanhar as batidas da música batendo a cabeça na janela em um sono eterno. O cobrador contando piadas para o motorista e esse ria como se tivesse ganhado na Mega Sena, não fazendo questão nenhuma de andar mais rápido.
A cada ponto alguem fazia sinal pra descer ou subir, e a subida da Brigadeiro se tornava mais angustiante do que para um corredor na São Silvestre... um verdadeiro parto!
Foi quando um homem cego entrou, tateando entre os apoios dos assentos e cheio de fitas coloridas em uma das mãos foi logo pedindo autorização ao cobrador para divulgar e vender seus produtos.
__Sras. e Srs.!!! muito obrigado pela sua atenção... como podem perceber, eu sou cego, e não consigo emprego; ninguem me dá oportunidades e eu preciso de dinheiro. Tenho seis filhos, minha esposa me deixou...
Era como se ele não estivesse alí. Ninguem lhe dava atenção, mas o discurso continuava...
__Já cortaram a luz e a água de casa por falta de dinheiro, meus filhos estão passando fome e...
Nada... o MP alguma coisa do rapaz chamava mais atenção do que o moribundo cego, e ele percebendo isso foi engrossando a conversa.
__Faz uma semana que eu saí da cadeia, preciso comprar remédios para mim, pois tenho AIDS, contraí a doença aplicando drogas em mim com agulhas infectadas...
AIDS?!!, agora sim ele conseguiu chamar a atenção, até as risadas insistentes do motorista acabaram; Todos pareciam olhar para o coitado cego, menos o rapaz do MP alguma coisa e o outro que dormia, agora com um filete de baba caindo sobre o peito.
Sentindo o silêncio pesado que sua fala gerou, nosso herói sentiu que a oportunidade "de ouro" de vender suas fitas coloridas era essa, e sem demorar continuou...
__Pois é Sras. e Srs., a vida não tem sido fácil pra mim, por isso estou vendendo essas fitas coloridas, peço por favor sua colaboração, é só 1 Real cada.
Parece que falar em dinheiro afasta qualquer sentimento caridoso, pois com a mesma velocidade em que as pessoas se silenciaram com a estória da AIDS, viraram o rosto de volta pra fora quando ele disse "1 Real".
Afim de não perder a viagem, o homem cego deu sua cartada final... "literalmente"
__Por favor Sras. e Srs., me ajudem comprando essas fitas, por favor!!... olha, tem para todos os gostos... tem essa verde, essa azul, essa vermelha; e foi pegando uma a uma com a outra mão.
De repente um Ops! se escreveu em sua testa, os olhos arregalados denunciaram a sua própria surpesa em frente a platéia perplexa.
O ônibus nem parou direito e o "cego" que conseguia distinguir as cores das fitas saltou pela porta, quase com um twiste duplo carpado digno de uma Daiane dos Santos e sumiu entre a multidão na calçada